O cantar romântico do canário evidenciava o tempo aberto naquele dia - embora fosse época de chuvas. O sol das quinze horas furava o chão e refletia o amarelo das folhas - que jaziam ao lado das mangas (também amarelas de tão maduras).
- Pois saiba que eu sou muito mais atraente que você! Eu não tenho estas manchas pretas que lhe faz parecer uma joaninha anêmica...
Vergunhonha era uma manga fresca e segura de si. Há pouco havia despertado a maturidade, ou melhor, a "maduridade" e esperava a mão encantada que a tiraria dali. Com seu corpo recentemente maduro e um caroço de causar inveja, Vergunhonha caçoava de suas amigas mais velhas:
- Pobres coitadas... Não tiveram a mesma sorte que eu.
- Você que pensa! Os tempos mudaram, querida... - disse joaninha anêmica. Meu ex-galho me avisou: humano algum quer saber de manga. A gente nasce, cresce e apodrece. Só. As que têm sorte viram suco.
- Pode até ser verdade, mas comigo será diferente. - retrucou Vergunhonha.
Mangazilda, uma manga áspera e infeliz, com uma cicatriz próxima ao pedúnculo - fruto da separação - interviu na conversa atravessando Vergunhonha:
- Acredite em que quiser, mas perdi as esperanças quando o pilantra do meu ex-galho me troucou por outra e eu caí aos prantos. Os humanos têm preferência por mangas do pé.
A discussão seguia normalmente, como todos os dias. Eis então que o canário se fez presente às mangas. Seu vôo aterrorizante pôs fim à conversa. E elas nada podiam fazer. Só torcer. Mas a esperança surgiu: duas crianças se aproximaram do local espantando o canário - a loirinha Yasmim e o pentelho Luquinha.
- É agora! - pensou Vergunhonha. Tchau meninas! - disse ela.
PLOFT!
A pequena e descuidada Yasmim sem querer esmagou Vergunhonha. E na frente de todas! A esperança tornou-se perigo.
Querendo atazanar Yasmim, Luquinha pegou os restos mortais de Vergunhonha e jogou-os nas costas de sua paquerinha. Yasmim respondeu arremeçando outra manga; e a brincadeira começou. Eram mangas voando para tudo quanto é lado.
PLOFT! PLOFT! PLOFT!
A "mangaficina" era geral, afinal, quando não arremeçadas, as mangas eram pisoteadas pela correria das crianças.
E para piorar, em questão de minutos um enxame de abelhas se aproximou do quintal. O "campo minado" por mangas mortas fazia o enxame rodear a "carniça" - como fazem os urubus. Muitas mangas, beirando a morte, eram obrigadas a sentirem seus corpos serem surrupiados por abelhas "manguívoras". Joaninha gritava pela Mangazilda - que nada podia fazer.
Um grito enfurecido de um adulto - para ser exato, de um adulta - fez as crianças congelarem por alguns segundos e depois saírem correndo do quintal. Posteriormente se escutava o chuveiro ligado e as risadas infantis.
Joaninha continuava a gritar por Mangazilda. Em vão. O enxame de abelhas fora atraído pela sua cicatriz e, assim, Mangazilda ficou parecendo um quibe de rodoviária. Era inútil gritar por Mangazilda.
As mangas do pé, ainda verdes, olhavam para baixo e observavam os corpos das conterrâneas estilhaçados pelo quintal, enquanto que um vento passava pelo local e soprava as folhas que cobriam Joaninha. Ela ficara desprotegida. Mas não mais havia perigo.
Rapidamente, as curiosas mangas verdes identificaram a sobrevivente e, em coro, cantaram o refrão do Queen:
- We are the champions! We are the champions! No time for losers ´cause we are the champions of the world... (Nós somos os campeões! Nós somos os campeões! Não há tempo para perdedores, pois nós somos os campeões do mundo...).
por HUGO PEZATTI
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