segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tom Cabeleira - O Pequeno Grande

- Hey Tomzinho! Você vai no aniversário do Fábio?

Esta era uma pergunta tipicamente idiota! É claro que o Tom iria ao aniversário do Fábio - seu melhor amigo de infância. O pequeno Tom cursava a antiga 2ª série do ensino primário (atual 3º ano do fundamental I) junto com seu amigo Fábio e Camila. Sem dúvida alguma, a Camila fora sua primeira paixão. Infelizmente, naquela época o Tomzinho não se parecia em nada com o Tom Cabeleira que veio a se tornar, salvo o rock n´roll dos Beatles que não saía de sua cabeça.

Líder nato, Tom era destaque da galera, porém, nunca havia “chegado” em uma garota, afinal, tinha lá seus sete anos. Talvez, hoje isto possa parecer ridículo, mas na sua época, pegar na mão de uma menina na frente de todos era um feito daqueles! Beijar uma então...

Como toda festa de criança, havia muito guaraná, cachorro-quente e brinquedo, além de uma porção de gurís correndo pra lá e pra cá. Um deles era Tom, outro era o aniversariante Fábio e outra era, claro, a paixão de Tom: Camila. O problema é que Tom era uma criança “estragada”. Vivia com os braços cheios de arranhões da sua gata de estimação; tinha os dentes tortos, que naturalmente nasceram com ele; seu cabelo era curto raspado na três e, quando crescia um pouco, os quatro roda-moinhos que tinha apontavam um conjunto de espeto. Um, em especial, ficava na franja e dava-lhe um caráter ala Élvis the Pélvis, mas mais puxado para um galo encrenqueiro; e para piorar, o óculos fundo de garrafa fodia de vez a aparência do pequeno Tom.

Já Camila era extremamente o contrário. Linda, cabelo castanho liso de criança, olhos cor de mel, pele morena bem clarinha, boquinha vermelha puxada para o rosa. Uma princesa de fato! Todos a queriam, mas só Tom era cara-de-pau o suficiente.

O bolo nem havia sido cortado, e Tomzinho se encontrava no fundo da casa, numa sala feita exclusivamente para abrigar brinquedos. Havia muita coisa ali! Desde lego e playmobil, passando pelos clássicos quebra-cabeças, dama, xadrex e chegando aos mais rebuscados, como uma pequena mesa de pimbolim - que era atração do local. E é claro, lá estava Tom arrasando no pimbolim. Galanteador nato, quando jogava contra as meninas dava uma de “joão-sem-braço” e deixava as garotas marcarem gols, mas nunca deixava elas ganharem. Quando o jogo apertava, ele apelava para suas habilidades e virava a partida. Mas a pior partida aguardava na fila: Camila.

Tom ganharia de todos que estavam na fila só para jogar com Camila. E assim o fez. Aproveitou-se para se exibir e deu uma “lavada” nos amigos – o que era estranho, afinal, quando jogava contra as meninas, levava um monte de gols. A hora da “pior partida” chegou. Tom sabia que aquele momento era mágico, pois não estavam na escola. Era diferente. A começar pelo céu que, escuro, substituía o clarão das tardes escolares. Outra diferença era a roupa: a Camila estava linda! E última diferença... Pela primeira vez Tom ficara a sós com Camila.

Um a um, as outras crianças foram saindo da sala de brinquedos atraídas sei lá pelo o que. Talvez fosse um doce ou aqueles bexigões cheio de balas e brinquedinhos. Tom foi pego de surpresa! Não esperava uma oportunidade dessas sem uma preparação. O mundo parou ali. A visão de Tom estava estranha: no centro e bem iluminada, Camila. Tom perdera a visão periférica. Não enxergava nada ao seu redor. O mundo ficou mudo. Tom mal conseguia ouvir o barulho da bolinha de pimbolim batendo nas paredes da mesa ou nos “hominhos de futebol”. Seu ouvido começou a pulsar latejantemente e, junto com o coração estourando em seus ouvidos, veio um barulho de microfonia que só Tom escutava. Era a primeira vez que Tom perdia a razão. Tom estava conhecendo o seu lado emocional apaixonado. Não sabia controlá-lo. A adrenalina (nem sabia o que era isto) cada vez mais forte dava a impressão de que ia explodir. Tom precisava fazer algo, mas o conflito entre a razão e a emoção o deixara bobo. E aí veio a cagada:

- Posso te dar um beijo? – intimou Tom.

A pergunta “do nada”, atravessada, de repente e sem noção, congelou a sala de brinquedo por alguns mili-segundos. Tempo suficiente para Camila usufruir de seu dom feminino de dar um fora nos garotos sem que os mesmos tenham reação.

- Cê é muito feio moleque! Cê acha que eu vou beijar você?

E saiu para a festa. Tom, ainda imóvel, tentava recuperar a consciência. Ele já havia ficado com o olho roxo uma vez, já tinha se esfolado no asfalto e passado por umas que não era para qualquer criança, mas aquela situação era a pior de todas. Não sabia de onde vinha o soco, mas doía. Era uma dor abstrata, aguda, estranha. Lágrimas ameaçavam escorrer ali mesmo, mas Tom era “homem demais” para se abater em público. Mas estava sozinho e no silêncio. Estava difícil agüentar. Não possuía pêlos pelo corpo, mas sua pele arrepiou e veio um frio seco e emudecedor. Instintivamente, sabia que se ficasse ali cairia aos prantos. Precisava voltar para a festa, mas não estava pronto para rever Camila. Com certeza ela já teria contado para suas amigas que debochariam de sua cara na frente de todos e isto desencadearia uma reação em cadeia fatal para Tom.

Tonzinho era muito novo para agüentar isto. Desde cedo suportara ser rejeitado ou esquecido pelos pais que nunca compareciam nas apresentações da escola. Sua mãe, nunca tinha tempo e vivia viajando por causa do trabalho; seu pai até prometia, mas nunca comparecia. Quando ainda cursava o chamado pré-primário, houve um dia especial na escolinha. Algo relacionado com a páscoa. As crianças colocariam máscaras de coelho e cantariam uma canção para os pais. A mãe de Tom não podia ir. O pai disse que ia. Feliz da vida, Tom avisou ao perueiro que não precisava esperá-lo, pois voltaria para casa com seu pai. A apresentação ia chegando, os pais aglomerando e abraçando os filhos e Tom, mais uma vez, sozinho. A desgraça da apresentação começou e ele lá, se sentindo um idiota, cantando para o vago. Ao fim da apresentação, todos os amiguinhos com os seus pais e, o Tom, sozinho. Esperto que era, correu para frente da escola para ver se conseguia “pegar” o perueiro ainda ali. Por sorte (ou por experiência do perueiro), a Kombi ainda se encontrava no estacionamento. Na maior humildade e com cara de humilhação, Tom perguntou ao Tio Fernando (perueiro) se ele poderia deixá-lo em casa. É claro que sim. Tom chegou em casa, sozinho, foi para o quarto e continuou sozinho. Provavelmente, horas mais tarde haveria ainda de ser espancado pelo seu irmão por alguma bobagem rotineira, como relar o dedo no violão dele ou não querer trocar de canal.

Quanto a isto, Tom estava vacinado. Tinha sete anos de experiência. Mas agüentar a humilhação do “fora de Camila” na frente de todos seria “barra” meu. Parecia que tudo perdera sentido. Tanto fazia se Tom olhasse para a direita ou para esquerda, se pensasse em sentar ou ficar de pé. Tom estava inóspito, ainda sem reação e sem saber o que fazer.

Sozinho e fodido. De novo.

Eis que uma boa alma apareceu. Era a mãe de Fábio que notou que o melhor amigo do filho estava sozinho e esquisito na sala de brinquedos. Era hora de se segurar. Havia uns 10 minutos que Tom não pronunciava uma só palavra. Teria que fazer força para sair qualquer som de sua boca sem escorrer lágrimas e soluçar. Rapidamente, Tom desenvolveu uma tática para suportar e esconder a dor: converteu o amor em ódio. O ódio dava forças ao Tom.

Indagado pelo o que fazia sozinho na sala de brinquedos, Tom logo respondeu que estava procurando um carrinho e se mandou para a festa. O ódio agora fazia Tom mirar todos como um caçador. Quem se atrevesse a humilhá-lo, levaria uma porrada daquelas. Todos entenderam o recado, mas muito não sabiam porque. Tom estava agressivo. Porém, muito provavelmente foi o instinto materno de Camila e suas amigas que protegeu Tom, poupando-lhe da humilhação. Mas o mais estranho era que Camila e as amigas não caçoavam de Tom e nem o tratavam mal. Pelo contrário. Camila até sorria mais e as amigas ficaram mais receptivas. Mas Tom não pensava. Agia. Estava sob o instinto – o único que o entendia ali.

Protegido pelo ódio, Tom aos poucos amolecia o rosto, interagindo com a festa, mas sempre pensando no que ocorrera na sala de brinquedos.

A festa foi se encerrando e, quando os pais de Camila chegaram para buscá-la, Tom teve duas sensações: a primeira foi de alívio. Acabou! A outra foi de tristeza... Não muito mais tarde, sua mãe chegou para buscá-lo. Em casa, não conseguia dormir. Queria chorar, mas ele dividia quarto com seu irmão. Sabia que se o acordasse, não receberia a compaixão e o afeto do brother, mas sim, uma zombação ou até mesmo uma porrada por tê-lo acordado. Mais uma vez, Tom estava encurralado e explodindo por dentro silenciosamente. Sua gatinha de estimação foi a única que se sensibilizou. Ela deixou de ser arisca e começou a lamber as lágrimas que saiam amargamente dos olhos de Tom. Porém, seus soluços o denunciava. E entre um soluço e outro, seu irmão respirava mais forte, como se fosse acordar. Era arriscado continuar na cama.

Lentamente e sem fazer barulho, Tom se levantou e, vagarosamente, abriu a porta, passando a rumar para a cozinha. Pegou um copo d’água, mas não estava com sede. Bebia a água, mas não fazia efeito algum. As palavras de Camila vinham-lhe a cabeça em alto e bom som. Rebobinou a cena milhares de vezes. Não se conteve. As lágrimas acumuladas saíram de uma vez, como se fosse uma hidrelétrica explodindo. Tom só conseguia olhar para o chão. Lá embaixo, sua gatinha com o pescoço virado para cima olhava-o querendo dizer: eu estou aqui! Tom sentou-se no chão, encostou as costas no armário da pia da cozinha e, recebendo o agrado da gata, custava a aceitar a situação. Queria voltar no tempo. Desfazer o que foi feito. Custava a esquecer. Alterava-se entre o amor e o ódio. Quando o amor vinha, o ódio o endurecia para protegê-lo, mas não por muito tempo, pois o amor era grande. E nessa alternância, Tom continuou por horas. Quando enfim não havia mais lágrimas, ele se levantou ciente de que, quando acordasse, seria outro. Um dia essa história vai mudar... E assim, o pequeno Tom foi dormir. Pequeno na idade, mas muito calejado no coração. Erga-te guerreiro e faça-te o grande Tom Cabeleira!


por HUGO PEZATTI

Nenhum comentário:

Postar um comentário