quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Rodada de Outubro

Vê lá o que cê vai fazer hein! (Enquanto as cartas eram “cortadas” na mesa). A sobrancelha do meu parceiro levantou. A hora era agora!

Um dia antes...

A dor intestinal era intensa e nada densa. Saia água marrom meio amarela; da cerveja de ontem. Como é que pode uma coisa dessas? Meu “olho debaixo” está roxo de tanto papel! E fresco, pois agora só aceita o bidê ou o chuveirinho com água morna. Muito fria dá choque. Bem... Fresco ele sempre foi mesmo. Aos esguichos e “arrotos” aos poucos fui me acalmando outra vez.

“Truco memo, negão!” – gritei. E o entusiasmo do meu parceiro elevava o feito a um orgasmo múltiplo acelerado pela adrenalina. Meu três de espadas fez a segunda. Agora eu vou ter que tornar.

A agitação turbulenta (louca para levantar e me levar embora) estremecia o meu acento. Ela ecoava pelo local, forte como um galo cacarejando em sinal de potência. Ouvidores no recinto negociavam a próxima rodada (“tem alguém de próximo?”). O fim era inevitável, mas relutava a acabar. Como o som de um fusca morrendo pausadamente na subida, minha dor intestinal sucumbiu ao prazer. Haveria de ser a última... Os ouvidores já haviam entrado em consenso e batiam em minha porta, mas meu prazer de alívio era ensurdecedor...

Revigorado, abri a segunda com um mero seis de ouro. E logo tomei um “seis mi, pato! Seis mi!”. Matematicamente, para as duas duplas eram desnecessários os seis pontos. Bastava três pontos pra eles e dois pra nós. Mão de onze? Talvez, mas o sinal foi claro! Era um sete copas, mas sabe como é.... Naquela altura não dava pra brincar. E nem “morrer de pau duro”. Entende? (Fala Pelé!). E aí, qual vai ser?

Vai sair ou não vai? Tem mais gente aqui! E para garantir, dei uma cheirada na mão; ver se o sabonete deu um jeito. É que quando tá líquido vaza pra tudo quanto é lado. A porta arredando e os novos ares entrando simbolizava o que eu queria fazer: abrir.

Abre! Eu quero ver! A velocidade pausada até modificava o som. E de novo o silêncio me fazia companhia - nos raríssimos segundos de alívio. Agora a merda já estava feita. A questão era saber quem ia sentir o cheiro. A regra do banheiro “quem caga não sente” não se aplicava a nossa mesa; não se aplicava ao truco. Mas a cara de luto do meu parceiro me fazia questionar o sinal. Foi o fim. Não deu, mas foi quase. Como é por aqui. Se foi quase, tá bão! Vamos jogar outra? Mas tem que esperar a próxima rodada... Eu disse rodada. Mas o que são quatro anos para quinhentos e dez anos de história? Quase nada. Tá bão. Se não der a gente tenta de novo...



HUGO PEZATTI é fundador e baterista da banda Pronúncia, historiador graduado pela UNESP de Franca e professor escolar | pronunciarock@yahoo.com.br |


3 comentários:

  1. Bárbara Longato Pezatti25 de agosto de 2010 às 19:32

    Muuito bom... dei muita risada aqui. Vc tem o dom de escrever!!!

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  2. Fala Hugo, gostei do texto,me lembrou bastante Rubem Fonseca. Aliás, o seu anterior da Bruna Surfistinha também ficou bacana, até baixei o livro pra dar uma conferida.
    E sigamos canalhando por aqui.
    Abraço

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  3. Rubem Fonseca? Que honra! Valeu!

    Pois é. A canalhice tem seu lado bom!

    Abraços Leandro Canalha!



    Hugo Canalha

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