quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tom Cabeleira & A Estrela

Seus 34 anos de história eram bem disfarçados por sua cabeleira. Tom adotara este visual ainda adolescente - fora o intervalo da faculdade - e nunca mais cortou "a peruca". Seu cabelo comprido não era só uma questão de estilo; era uma questão de ser. Ser aquilo que a sociedade mais quer, porém que mais tem medo: livre. O cabelão já se incoporara a sua genética e a sua personalidade. E não havia emprego que o fizesse cortá-lo... Ser livre era o que mais valorizava e, por isto, temia ser pai.

Mesmo porque, as mulheres viviam caiando em cima dele. E sabe como é... Mais perto dos 30, mais elas tentam "amarrar" os homens. Não é nada pensado. É apenas o instinto maternal. Por isto, Tom Cabeleira vivia em uma linha tênue entre o gozar e o ser pai. Mesmo temendo "a prisão", vezes e outras se aventurava em um gozo livre e profundo.

No trabalho, Tom Cabeleira se divertia. Quando não testava as pranchas, passava horas desenhando as curvas e pintando a madeira com um toque pessoal no artesanato. De noite, fazia o som das rodas de fogueira ou tirava "uns troco" com sua guitarra nos bares da cidade praiana. Tocando, ganhava bem na temporada. Mesmo assim, preferia o inverno, pois acreditava que só os verdadeiros amantes é que visitavam a praia nesta época. E assim, era no frio de julho que mais vendia pranchas, afinal, as ondas de inverno atraíam surfistas - profissionais e aspirantes.

Com a vida profissional equilibrada, Tom não queria se preocupar com mais nada. Mas um dia a desgraça aparece e fode...

E, se a desgraça tem cor, é vermelho-calcinha. Se tem asas é um avião que não voa. Se tem cheiro é de pós-banho. E, se a degraça tem nome, ela se chama Vitória... Com um nome desses não há batalha que se ganhe.

A Vitória olhara "O Descaso" e quis lhe cortar o cabelo (em outras palavras: tirar-lhe a liberdade). E a Vitória conseguiu, claro! - mas não literalmente. Tom começava a suspeitar de que o "avião vermelho" passara a levar um novo tripulante à praia, às rodas de fogueira e aos seus shows na casas noturnas. Numa noite de fogueira, Tom não se conteve...

Virando o último gole do Velho Jack, atirou a garrafa - que capotou pela areia fria - e se jogou ao mar com sua prancha. O mar escuro e silencioso - longe da praia - lhe dava a sensação do nada: uma imensidão para vagar sem rumo, sem direção e sozinho. Era o máximo da liberdade "paradoxando" com o mínimo da prisão (oceânica), afinal não tinha para onde ir e nem como voltar. Estava a deriva. Talvez, com o raiar do dia, poderia ver uma direção. De fato a situação refletia bem a sua vida naquele momento. Tom Cabeleira arrependera-se do que fez, pois o gesto em nada resolveu o problema da possível gravidez; pelo contrário, apenas lhe disse "cê tá ferrado tanto aqui quanto lá". E em outro gesto de desepero, Tom Cabeleira olhou para cima procurando as estrelas...

A estrela mais brilhante ficava cada vez mais forte e maior. Tom se desesperava, pois parecia que ela estava caindo. Era inacreditável! O Velho Jack não poderia ter causado toda essa visão... E a estrela realmente caiu. No mar! A sua frente! E era do tamanho de um prédio de cinco andares. Era redonda. O impacto da estrela gerou ondas que viraram a prancha e jogaram Tom na água. Era a prova de que aquilo era verdade! Trezentos e cinquenta metros separavam a estrela de Tom - que inutilmente escondia seu corpo submerso com a cabeça atrás dos dentes da prancha ao avesso.

Por algum motivo, a estrela afundou apenas pela metade. Ela boiava! Com medo, porém intrigado, Tom resolveu se aproximar do astro celestial. Pensou: pra quem tá fudido, até que isso é um bom passatempo! E assim, ele e sua prancha se aproximaram da estrela...

- Areia que brilha? - refletiu.

E, no topo da estrela, avistou uma placa:


ESTA AREIA DEMOROU MILHÕES DE ANOS PARA BRILHAR E LEVARÁ OUTROS MILHÕES PARA PARAR!

Incrível! Tom resolveu escalar a estrela e chegar onde a placa estava. Colocou suas duas mãos no astro e, pasme! Facilmente "plantou uma bananeira", porém, paralelamente ao mar. Trocou as mãos pelos pés e viu, às suas costas, o mar e a prancha que boiava. Era surreal! Esticando os braços, puxou sua prancha e a fincou como uma bandeira na areia brilhante da estrela.

Sem dúvida era a Melhor "Ilha" de Todos Os Tempos! Devo ter morrido e não sei - pensou. Era uma situação muito estranha: a sua frente, o céu negro-estrelado e a placa; atrás dele, o mar; abaixo, uma areia que brilha e, acima, o continente. Seguindo seus instintos, resolveu explorar "a ilha"; fazer o reconhecimento e saber o que ela podia lhe oferecer.

Tudo era muito maravilhoso para parar e pensar no que estava acontecendo. Preferiu se entregar ao desconhecido e se desplugar da possível prisão que deixara no continente.

Já no topo, a gravidade parecia ter voltado ao normal, pois o céu mais uma vez estava acima de sua cabeça. Sentado, Tom não parava de se maravilhar com a areia brilhante. Seria toda ela assim? Com dúvida, começou a cavar. E como era fácil cavar! Cada "mãozada" retirava quilos de areia. Lá pela vigésima "mão", um buraco fundo e claro se abriu! A estrela era oca por dentro! Outra surpresa: Tom não estava só...


Como um lustre da sala principal ou uma aranha grudada no teto, Tom observava curioso o que deveria ser um culto. Pareciam ser pessoas, mas eram normais? Talvez fossem, afinal, quem colocou aquela placa na "entrada"? De repente, o buraco, pelo qual Tom observava as pessoas, se rompeu, fazendo-o cair. Tom caía vagarosamente. Mais parecia uma pena do que o próprio Tom Cabeleira. As pessoas ainda não o haviam notado. E ele continuava a cair. Deu até para ele pensar onde ia se esconder e tentar se livrar dessa. Quanto Tom tocou o chão, o mesmo o arremeçou para cima, como se ele tivesse quicado como uma bola. Não é possível! - exclamou com o pensamento. Mesmo distante dos outros, se não parasse de quicar, logo-logo seria descoberto. Conforme dava as quicadas, Tom tentava se agarrar a algo. Além da areia brilhante, havia cabos e garrafas de cerveja ao chão. Foi segurando num destes cabos que Tom finalmente se fixou. Parecia que houve uma festa e, certemente, viria outra.

- Mais um! - gritou alguém. Está ali perto do gramophone! - apontou.

Perplexo, Tom olhou o gramophone ao seu lado. Descoberto, agora só restava esperar que se aproximassem e que fossem amistosos. Os rostos dos nativos eram bastantes familiares, mas Tom não estava em condição de raciocinar. Com medo, vergonha ou receio, não fixava o olhar para frente. Preferia olhar para baixo. Porém, uma das pessoas se aproximou, levantou lentamente o seu queixo e disse:

- Eu sei quem você é. Não precisa se esconder.

O cabelo liso, ruivo-cereja, que estava sobre a pele branca e os olhos negros foram rapidamente identificados por Tom. Era Vitória!

- Não pense que me achou aqui, Tom. Eu o estava procurando faz tempo. - disse ela.

Sem entender, Tom continuou introspectivo. Não havia ligação entre Vitória e a estrela. Aliás, não havia ligação em nada. Tudo não tinha o menor sentido. Pior ainda quando Tom criou coragem e começou a reparar ao seu redor. Com exceção de Vitória, todos os demais rostos eram de Tom. Havia uma centena deles. A única coisa que diferenciava é que, o verdadeiro Tom, estava molhado e de bermuda, o restante, usava calça jeans rasgada, o velho coturno preto e uma camiseta cavada branca.

- Quem são eles?
- Eles são os vários "você". - respondeu Vitória. E continuou... - Para conquistá-lo, eu tive que ir ganhando um por um. Foi difícil, deu um trabalho que só, mas eu consegui! O mais complicado foi que, além das várias maneiras de pensar e reagir dos seus vários "eu", cada um de "você" está em uma fase de sua vida. Olhe aquele ali! Tá vendo? Lembra de quando tinha 25 anos e que não acreditava no amor? Deu um trabalhão esse...
- Olha, não que eu não acreditasse no amor, eu não acreditava na fidelidade. Aliás, ainda não acredito, mas sou menos radical no momento.
- Eu sei. Seu outro "eu" já me falou isto...
- Quer dizer que estou diante da minha própria história?
- Parte dela, né? Sua história não é só você, convencido - brincou Vitória.
- E você, o que está fazendo aqui?
- Entrando para a sua história. Sou a coisa mais importante para você.
- Como assim?
- Eu estou grávida!

A palavra ecoou como um megafone gigante. Todos os Tom pararam e questionaram uns para os outros: grávida? O verdadeiro Tom olhava ao lado procurando algo. Os outros Tom sabiam o que procurava e logo um deles tratou de trazer uma garrafa do Velho Jack e disse:

- A nós!

Tom olhou para Vitória...

- Se você está grávida, eu estou no inferno! Só pode ser. Isto é o inferno! - e deu gole no Jack.
- Inferno é o que eu vou fazer com você agora!

Vitória prensou Tom na parede e começou a chupar seu pescoço com violência. Ele sentia o cheiro de banho tomado e na hora lembrou porque se apaixonara. Ela era um fogo e gostava do sexo de Tom. Ela sabia a hora de ceder e a hora de impor, sabia a hora de agradar e a hora de pedir, sabia ser uma santa e sabia ser uma puta. E ela sabia como Tom pensava. Ela conhecia todos eles, conhecia sua história e até seus medos. E o pior deles estava acontecendo. E mesmo na gravidez, ela sabia como levar o Tom.

Depois de horas do mais puro ardor, Tom e Vitória repousaram ao som do gramophone. Ele dormia pesadamente e ela, serena e suave. No meio do sono, ela acorda:

- Tom! Acho que vou vomitar!

E ele desperta na areia fria da praia, olha a fogueira ainda queimando, vê o Velho Jack vazio perto do mar, levanta a cabeça pro céu em sinal de desespero, vê sua estrela vomintando e pensa: estou nascendo de novo... Adeus Tom! Oi Tom!





por HUGO PEZATTI

6 comentários:

  1. Essa história é autobiográfica Hugo? ou Tom?
    muito bom o conto. deve refletir um pedaço de cada um desse blog, com certeza.

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  2. Autobiográfico? Talvez venha a ser... Acho que sôa mais como uma futura projeção. Mas com certeza há um pedacinho do Hugo, aquele intolerante intolerável...

    abraços!

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  3. Hahaha.. concordo que é quase uma auto biografia!!
    Muito bom!
    E viva o Velho Jack, a Vitória, o vermelho, e o cabelo grande. hahaha
    =)
    beijos

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  4. Eu quero o DNA ratinho!!!

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  5. Valeu pelo incentivo! É que este foi o meu primeiro conto e, assim, não consegui sair da previsibilidade. Mas valeu a experiência, tentarei ser mais imprevisível nos próximos.

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